Os canídeos formam uma família de mamíferos carnívoros que inclui lobos, raposas, coiotes e cães. Com cerca de 35 espécies distribuídas por todo o mundo, esses animais exercem funções ecológicas essenciais nos ecossistemas em que vivem. No Brasil, são seis as espécies nativas, cada uma com suas particularidades e desafios de conservação, compondo um capítulo à parte na nossa rica biodiversidade.
Entre os canídeos brasileiros, destaca-se o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o maior da América do Sul, conhecido por suas longas pernas e pelagem alaranjada. Essa espécie habita principalmente o Cerrado e o Pantanal e encontra-se atualmente classificada como vulnerável devido à perda de habitat, atropelamentos e fragmentação ambiental. Em contrapartida, o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), uma espécie bastante adaptável, habita diversos biomas do país e mantém sua população relativamente estável, apesar das pressões urbanas. Outro canídeo comum é o graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), que vive em áreas abertas e vem sofrendo com a caça e a ocupação agropecuária. Já a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), uma espécie mais discreta, também enfrenta riscos similares, sobretudo pela destruição do Cerrado, seu principal habitat.
Um traço marcante dos canídeos brasileiros é o comportamento solitário da maioria das espécies, com exceção do cachorro-vinagre (Speothos venaticus). Este pequeno e enigmático animal de coloração castanha vive em grupos sociais e é mais comumente encontrado em florestas densas. Recentemente, um registro raro feito por armadilha fotográfica flagrou um indivíduo no norte do Brasil, o que reforça a importância de tecnologias de monitoramento para conhecermos melhor essas espécies, muitas vezes invisíveis aos olhos humanos. A descoberta serve também como alerta sobre a vulnerabilidade dessas populações diante da destruição contínua dos ecossistemas.
O lobo-guará, por sua vez, nos revela uma interação curiosa entre alimentação e saúde, sua dieta inclui a fruta-do-lobo, ou lobeira (Solanum lycocarpum), uma espécie nativa do Cerrado. Pesquisadores acreditam que o consumo dessa fruta ajuda na eliminação do verme-gigante do rim, o Dioctophyma renale, que afeta não só o lobo, mas também outros mamíferos, incluindo cães domésticos. Ainda mais fascinante é a recente associação da lobeira a potenciais propriedades medicinais para humanos, estudos preliminares indicam que compostos presentes na fruta podem ter efeito contra o câncer de bexiga, o que amplia o valor da conservação dessas espécies e seus ecossistemas.
Frente a tantos desafios, a conservação dos canídeos no Brasil depende de ações coordenadas. Diversos projetos desenvolvidos por universidades, ONGs e centros de pesquisa buscam proteger essas espécies e seus habitats, por meio de educação ambiental, monitoramento populacional e proteção legal. Manter esses animais em liberdade é essencial não apenas para o equilíbrio ecológico, mas também para preservar potenciais descobertas científicas que podem beneficiar a saúde humana.
Conhecer os canídeos brasileiros é um convite à admiração e ao engajamento. A partir do momento em que compreendemos suas histórias, suas funções no ecossistema e os riscos que enfrentam, nos tornamos também responsáveis por sua preservação. Afinal, conservar esses animais é proteger uma parte essencial da natureza brasileira, e, de quebra, reconhecer que nosso próprio futuro está profundamente conectado à sobrevivência deles.
Sobre o autor:

Prof. Délcio Magalhães é médico-veterinário, professor e autor do blog Pegada Científica, da SimbaVet. Atua nas áreas de clínica e conservação de animais silvestres, com experiência acadêmica e prática de campo.
Apaixonado por educação e pelo universo selvagem, escreve quinzenalmente para provocar reflexões e conectar ciência, prática e consciência ambiental.