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Cação é tubarão? Devo me preocupar?

Cação é tubarão? Devo me preocupar?

No Brasil, o termo “cação” é amplamente utilizado para se referir à carne de tubarões e raias, sendo comum em pratos como moquecas, caldeiradas e grelhados servidos em mercados e restaurantes por todo o país. No entanto, poucos consumidores sabem exatamente o que estão comendo e, mais grave ainda, ignoram as implicações ambientais e de saúde pública associadas a esse consumo. A palavra “cação” acaba ocultando a verdadeira identidade das espécies envolvidas, muitas das quais pertencem ao grupo dos tubarões, como o tubarão-martelo-liso (Sphyrna lewini), o cação-noturno (Centroscymnus coelolepis) e o cação-azeiteiro (Prionace glauca), espécies que estão entre as mais pescadas e comercializadas no Brasil, muitas vezes de forma ilegal ou não regulamentada.
Estudos e reportagens recentes chamam a atenção para o fato de que boa parte da população brasileira desconhece essa realidade. De acordo com matéria publicada pelo portal G1 em 2023, uma pesquisa apontou que 54% dos brasileiros não sabem que o “cação” servido no prato é, na verdade, carne de tubarão ou raia . Esse desconhecimento não apenas dificulta a escolha consciente do consumidor, como também favorece a continuidade da pesca de espécies ameaçadas de extinção.

Além das preocupações ambientais, há também sérias implicações para a saúde humana. Por serem predadores do topo da cadeia alimentar, os tubarões acumulam em seus tecidos uma alta carga de metais pesados como mercúrio, chumbo e arsênio, o que representa um risco significativo quando consumidos regularmente. Uma matéria do portal R7 aponta que tanto o cação quanto o atum podem conter níveis elevados de metais pesados, prejudiciais especialmente a gestantes e crianças pequenas.¹ Em abril de 2025, o Ibama apreendeu 77 toneladas de carne de cação contaminada com arsênio. A operação revelou não apenas os riscos de contaminação para os consumidores, mas também as falhas no controle e rastreamento da cadeia de pesca e distribuição dessa carne no Brasil.²

O impacto da pesca do cação vai além do prato. A prática afeta diretamente a biodiversidade marinha, pois muitas das espécies capturadas possuem taxas de reprodução lentas e são especialmente vulneráveis à sobrepesca. O tubarão-martelo-liso (Sphyrna lewini), por exemplo, está listado como criticamente ameaçado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A reportagem do G1 de 2022 alertou para a ameaça que o comércio de carne de cação representa, não só para essas espécies, como também para a saúde dos oceanos como um todo. A matéria também destacou como a falta de rotulagem clara nos mercados e supermercados impede que o consumidor identifique a espécie adquirida e sua origem, dificultando escolhas mais sustentáveis.³

Diante de todos esses fatos, é evidente que a simples escolha de consumir ou não carne de cação vai muito além do paladar. Trata-se de uma decisão que envolve saúde pública, responsabilidade ambiental e ética de consumo. O primeiro passo é a informação. Saber que o cação é, sim, tubarão ou raia, e que seu consumo contribui para o declínio de espécies ameaçadas, já transforma o ato de compra em uma escolha consciente. E a longo prazo, essas decisões individuais são fundamentais para pressionar o mercado por mais transparência e sustentabilidade, ajudando a proteger os oceanos e a biodiversidade marinha para as próximas gerações.

Tubarão-martelo-liso (Sphyrna lewini), o Cação-noturno (Centroscymnus coelolepis) e o Cação-azeiteiro (Prionace glauca), respectivamente. Imagens: https://www.biodiversity4all.org/

Para saber mais, você pode visitar as matérias para a leitura completa:
https://noticias.r7.com/saude/populares-nos-pratos-brasileiros-cacao-e-atum-podem-acumular-metais-pesados-06042023/
https://souagro.net/noticia/2025/04/ibama-intercepta-77-toneladas-de-cacao-contaminado-com-arsenio/amp/https://g1.globo.com/google/amp/economia/agronegocios/noticia/2022/03/11/cacao-e-tubarao-ou-raia-saiba-por-que-o-comercio-ameaca-especies-e-pode-colocar-a-saude-em-perigo.ghtml

Sobre o autor:

Prof. Délcio Magalhães é médico-veterinário, professor e autor do blog Pegada Científica, da SimbaVet. Atua nas áreas de clínica e conservação de animais silvestres, com experiência acadêmica e prática de campo.
Apaixonado por educação e pelo universo selvagem, escreve quinzenalmente para provocar reflexões e conectar ciência, prática e consciência ambiental.

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